A CIÊNCIA COMO PROFISSÃO: MÉDICOS, BACHARÉIS E CIENTISTAS NO BRASIL
A criação da primeira universidade no Brasil, em 1920, no Rio de Janeiro. a insistência em "história da corte brasileira" em período de mudança política e social (a virada do século XIX ao XX), vista particularmente pelo ângulo das percepções distintas do que seria o verdadeiro trabalho científico, da transformação do sentido que se atribuía à cultura e da representação que se fazia, em nosso país, do que deveria ser o "homem culto". As facetas distintas desse "homem culto" são evidenciadas nos embates entre os antiquados bacharéis com sua vocação literária, pomposa e retórica, e os novos cientistas, distantes da linguagem do "belo" para tentar chegar ao "racional". Assim, assistimos a disputas (verbais, ou no máximo, por cargos...) algumas vezes ferozes, nas quais, aparentemente, mais que desenvolver aquilo que já foi chamado de "saberes modernos", tratava-se de denegrir as formas antigas do pensamento "enciclopédico", considerado então um empecilho ao progresso que a ciência prometia.
Aquilo que outrora se constituíra em motivo de orgulho, nossa glória intelectual, nossos autores e oradores donos de amplos (mesmo que pouco profundos) conhecimentos sobre o mundo, passam a ser objeto de chacota, de crítica desdenhosa por parte da "sociedade culta da capital federal". Os intelectuais (uma lista imensa de possibilidades: "doutores, cronistas, bacharéis, parlamentares, poetas, publicistas, declamadores, médicos, letristas, escritores, conferencistas, acadêmicos, filólogos, romancistas, artistas, oradores, polemistas, professores, prosadores, polígrafos, sábios ou homens de ciências, conhecedores de várias línguas, líricos") eram pessoas bem nascidas, formalmente educadas e passíveis de classificação tanto como "homens de letras" ("enciclopédicos e poliglotas, seu delicado espírito fora educado pela literatura") quanto como "homens de ciências" ("porque por elas ilustrados").
No quadro da sociedade do século XIX, dominava uma cultura "auditiva" na qual a difusão do conhecimento se fazia fundamentalmente de forma oral, por meio de conferências, tribunas parlamentares, lições, memórias. Perfeitamente adaptados a ela, nossos intelectuais de outrora expressavam também uma representação tradicional do mundo onde o título de doutor transfigurava-se numa série de privilégios sociais. E, nesse ponto, surge uma indagação que perpassa todo o livro, ainda que não se explicite como tal: quais seriam os elementos propriamente sociais que poderiam distinguir aqueles que eram chamados de intelectuais ou literatos daqueles que ficaram conhecidos como cientistas? Pela forma da narrativa, fica difícil distinguir características específicas de um e outro grupo, de forma a explicar sua diferenciação. É interessante observar que a perspectiva que os intelectuais generalistas, tradicionais, tinham do significado e do lugar social do seu trabalho, o critério de legitimação das suas atividades, não se distancia demais, e muito menos se opõe àquele dos cientistas: um certo senso de missão, fundado no domínio do conhecimento (generalista, entre os intelectuais, especializado, entre os cientistas). E quando se combina essa perspectiva com a idéia de que aos doutores cabiam inúmeros privilégios, chega-se a outra das indagações : a proposta inovadora dos cientistas representava uma crítica objetiva ao tradicionalismo dos bacharéis? Avançaria essa proposta para além da especialização, redefinindo o conteúdo do mérito acadêmico? Não há indícios de uma resposta positiva.
Ao contrário: se a crítica aos bacharéis se aprofunda os cientistas não se constrangem por buscar as glórias tradicionais, como o pertencimento à Academia Brasileira de Letras! Nesse ponto, insinua-se com maior força, uma problemática de natureza, talvez, um tanto excessivamente teórica e que já se mostrara no primeiro capítulo: ao escolher tratar as idéias ou os textos como possíveis criadores de novas situações históricas, por atraente que possa parecer tal procedimento metodológico, corre-se o risco de perder capacidade explicativa. E é exatamente o que acontece aqui: além das preferências pessoais ou intenções, o que poderia explicar a diferenciação no interior de um corpo de intelectuais cujas trajetórias individuais tinham muito mais a juntá-los que a separá-los? E, ao tratar do processo de atribuição de um novo sentido a um determinado tipo de atividade, ela mesma tomando novas facetas, a autora nos brinda com um belíssimo material (textos e discursos) que provoca questões, centrais para a explicação do desenvolvimento de um grupo profissional, mas que são deixadas de lado pela reduzida atenção dada aos atores e agentes responsáveis não só pelo discurso, mas também pela inauguração de novas práticas sociais.
Nas áreas da ciência a questão hoje esta em crise , na universidade logo no começo da vida acadêmica nos deparamos com inúmeros obstáculos desde a falta de laboratórios , falta de material até falta de orientação. O ciêntista no Brasil tem que ser um verdadeiro malabarista se virando com as poucas verbas ou matérias . Esperamos que este cenário possa mudar e que possamos ter um futuro promissor . O Brasil tem mentes maravilhosas porém falta investimento . Com de todos os problemas encontrados no caminho é faz-se necessário a união e o reconhecimento de todos aqueles que um dia contribui ou contribuirão para o avanço da ciência no Brasil .
O livro A Ciência como Profissão: Médicos, Bacharéis e Cientistas no Brasil (1895-1935) percorre inúmeros e bem elaborados caminhos para tratar do seu tema. Nesse percurso permanece o problema da definição, da construção social de um ator coletivo, de um grupo profissional, pois vemos apenas a nebulosa de idéias que contribuiu para isso, mas desconhecemos os sóis e planetas que originaram essas idéias, os atores ou agentes que se denominavam cientistas. Como já foi bem demonstrado pela sociologia, um nome coletivo raras vezes é apenas um nome. Em geral, um nome esconde atrás de si uma gama de pessoas e atividades, um conjunto de modos de agir e de pensar particulares, uma instituição, no sentido sociológico do termo. Ainda assim, no conjunto, trata-se de um livro excelente, bem escrito e com um profundo trabalho de pesquisa documental. É louvável também pela visão crítica que tem da historiografia, tão bem delineada no primeiro capítulo. Os pontos sobre os quais se argüi representam uma espécie de homenagem (à moda sociológica, é bom dizer) que tenta, a partir de um texto provocativo e estimulante, inferir algumas questões contextuais!
fonte : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000700031
Maria Ligia de Oliveira Barbosa
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. mligia@ifcs.ufrj.br
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